sábado, 5 de junho de 2010

Papa apresenta cruz como triunfo do amor sobre o mal




Ao celebrar a Missa em Nicósia

NICÓSIA, sábado, 5 de junho de 2010. Bento XVI apresentou a cruz de Cristo como "o definitivo triunfo do amor de Deus sobre todos os males do mundo", ao celebrar na tarde deste sábado a santa Missa com os sacerdotes, religiosos, diáconos, catequistas e movimentos eclesiais de Chipre na igreja de Santa Cruz, de Nicósia.

O Papa centrou sua homilia na Cruz ao dirigir-se para esta pequena comunidade católica, assim como a representantes da Igreja Católica do Oriente Médio.

"Muitos poderiam se sentir tentados a perguntar por que nós, cristãos, celebramos um instrumento de tortura, um símbolo de sofrimento, de derrota e de fracasso. É verdade que a cruz exprime todos estes significados. E, todavia, por causa daquele que foi suspenso na cruz pela nossa salvação, representa também o definitivo triunfo do amor de Deus sobre todos os males do mundo", explicou o Papa falando em inglês.

Por isso, acrescentou, "o mundo necessita da cruz: esta não é simplesmente um símbolo privado de devoção, não é um distintivo que indica pertencer a um grupo qualquer na sociedade, e seu significado mais profundo nada tem a ver com alguma imposição forçada de um credo ou de uma filosofia".

"Ela fala de esperança, fala de amor, fala da vitória da não-violência sobre a opressão, fala de Deus que eleva os humildes, dá força aos fracos, faz superar as divisões e vencer o ódio com o amor. Um mundo sem cruz seria um mundo sem esperança, um mundo em que a tortura e a brutalidade continuariam desenfreadas, o fraco seria explorado e a ganância teria a última palavra", destacou.

"Toda a desumanidade do homem nas relações com o homem se manifestaria de modos ainda mais horrendos, e não haveria fim para o círculo maléfico da violência. Apenas a cruz lhe impõe um fim. Enquanto nenhum poder terreno pode nos salvar das consequências de nosso pecado e nenhuma potência terrena é capaz de vencer a injustiça desde as suas origens, a intervenção salvadora de nosso Deus misericordioso transformou a realidade do pecado e da morte em seu oposto. É isto o que celebramos quando damos glória à cruz do Redentor."

Dirigindo-se em particular aos sacerdotes, religiosos e catequistas, o Papa reconheceu que "Quando proclamamos Cristo crucificado, não proclamamos nós mesmos, mas sim Ele. Não oferecemos nossa sabedoria ao mundo, não falamos de nossos próprios méritos, mas atuamos como canais de sua sabedoria, de seu amor, de seus méritos salvadores".

"Sabemos que somos apenas vasos de barro e, todavia, surpreendentemente, fomos escolhidos para ser arautos dessa verdade salvadora de que o mundo tanto necessita - somou - Não nos cansemos jamais de nos maravilhar ante a graça extraordinária que nos foi dada, não cessemos jamais de reconhecer nossa indignidade, mas, ao mesmo tempo, esforcemo-nos sempre para nos tornar menos indignos deste nobre chamado, de modo a não enfraquecer, mediante nossos erros e nossas quedas, a credibilidade do nosso testemunho."

O Papa concluiu falando em grego: "Sim, amados irmãos e irmãs em Cristo, afastemo-nos daquela glória que não é a do nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Gl 6, 14). Ele é a nossa vida, nossa salvação e nossa ressurreição. Ele nos salvou e nos libertou".


(ZENIT.org)

Meditação após a comunhão




Um momento de oração depois da comunhão na Missa de Corpus Christi na Igreja Imaculada Conceição na Praia de Botafogo. Missa Presidida pelo Padre Lídio.



sexta-feira, 4 de junho de 2010

Jesus é o verdadeiro sacerdote




Homilia do Papa na solenidade de “Corpus Christi”

ROMA, quinta-feira, 3 de junho de 2010. A seguir, apresentamos a homilia que o Papa Bento XVI pronunciou hoje, durante a celebração da solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, no átrio da Basílica de São João de Latrão. Depois, presidiu a Procissão Eucarística que, percorrendo a Via Merulana, chegou à Basílica de Santa Maria a Maior.


* * *

Queridos irmãos e irmãs,

O sacerdócio do Novo Testamento está estreitamente ligado à Eucaristia. Por isto hoje, na solenidade do Corpus Domini e quase ao término do Ano Sacerdotal, somos convidados a meditar sobre a relação entre a Eucaristia e o Sacerdócio de Cristo. Nesta direção nos orienta também a primeira leitura e o salmo responsorial, que apresentam a figura de Melquisedeque. A breve passagem do Livro dos Gênesis (cf. 14,18 -20) afirma que Melquisedeque, rei de Salém, era "sacerdote do Deus altíssimo" e, por isto, "ofereceu pão e vinho" e "abençoou Abraão", que voltava de uma vitória em batalha; o próprio Abraão deu-lhe o dízimo de tudo. O salmo, por sua vez, contém na última estrofe uma expressão solene, um juramento do próprio Deus, que declara ao Rei Messias: "Tu és sacerdote para sempre / a semelhança de Melquisedeque" (Salmo 110, 4); assim o Messias é proclamado não somente Rei, mas também sacerdote. Desta passagem parte o autor da Carta aos Hebreus para sua ampla e articulada exposição. E nós o temos apanhado no refrão: "Tu és sacerdote para sempre, Cristo Senhor": quase uma profissão de fé, que adquire um significado particular na festa de hoje. É a alegria da comunidade, a alegria da Igreja inteira, que contemplando e adorando ao Santíssimo Sacramento, reconhece nele a presença real e permanente de Jesus, supremo e eterno Sacerdote.

A segunda leitura e o Evangelho, por outro lado, chamam à atenção o mistério eucarístico. Da Primeira Carta aos Coríntios (cf. 11,23 -26) é tomada a passagem fundamental na qual São Paulo lembra àquela comunidade o significado e o valor da "Ceia do Senhor", que o Apóstolo havia transmitido e ensinado, pelo que, porém, corria o risco de se perder. O Evangelho é, por outro lado, a história do milagre dos pães e dos peixes, na redação de São Lucas: um sinal atestado por todos os evangelistas e que preanuncia o dom que Cristo fará de si mesmo, para dar à humanidade a vida eterna. Ambos os textos enfatizam a oração de Cristo, no momento de partir o pão. Naturalmente, há uma diferença clara entre os dois momentos; quando compartilha os pães e os peixes à multidão, Jesus dá graças ao Pai celestial por sua providência, confiando que Ele não fará faltar o alimento a toda aquela gente. Na Última Ceia, ao contrário, Jesus transforma o pão e o vinho no seu próprio Corpo e Sangue, de forma que os discípulos pudessem alimentar-se Dele e viver em comunhão íntima e real com Ele.

A primeira coisa que é necessário lembrar sempre é que Jesus não era um sacerdote de acordo com a tradição judia. A sua não era uma família sacerdotal. Não pertencia à descendência de Aarão, mas a de Judas e, portanto, legalmente lhe estava excluída a via do sacerdócio. A pessoa e atividade de Jesus de Nazaré não se colocam na esteia dos antigos sacerdotes, mas melhor na dos profetas. E nesta linha, Jesus tomou distância com uma concepção ritual da religião, criticando a postura que dava maior valor aos preceitos humanos relacionados à pureza ritual mais que à observância dos mandamentos de Deus, quer dizer, ao amor de Deus e ao próximo, que como disse o Evangelho, "vale mais que todos os holocaustos e sacrifícios" (Mc 12,33). Até mesmo dentro do Templo de Jerusalém, lugar sagrado por excelência, Jesus realiza um gesto perfeitamente profético, quando expulsa os cambistas e vendedores de animais, todas as coisas que serviam para o oferecimento dos sacrifícios tradicionais. Portanto, Jesus não é reconhecido como um Messias sacerdotal, mas profético e real. Também sua morte, que nós os cristãos chamamos justamente "sacrifício", não teve nada dos sacrifícios antigos, ao contrário, foi totalmente o oposto: a execução de uma sentença de morte, por crucificação, a mais infame, sucedida fora dos muros de Jerusalém.

Então, em que sentido Jesus é sacerdote? Disse-nos precisamente a Eucaristia. Podemos voltar a partir dessas simples palavras que descrevem Melquisedeque: "ofereceu pão e vinho" (Gn 14,18). E é isto que Jesus fez na Última Ceia: ofereceu pão e vinho, e neste gesto resumiu totalmente a si mesmo e a sua própria missão. Neste ato, na oração que o precede e nas palavras que o acompanham está todo o sentido do mistério de Cristo, tal e como o expressa a Carta aos Hebreus em uma passagem decisiva, que se faz necessário citar: "Tendo oferecido pelos dias de sua vida mortal - escreve o autor, referindo-se a Jesus - pedidos e súplicas com poderoso clamor e lágrimas pelos quais poderia salvá-lo da morte, foi escutado por sua atitude reverente, e ainda sendo Filho, com o que sofreu e experimentou a obediência; e alcançada a perfeição, converteu-se em causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem, proclamado por Deus Sumo Sacerdote à semelhança de Melquisedeque" (5,8 -10). Neste texto, que claramente alude à agonia espiritual de Getsêmani, a paixão de Cristo se apresenta como uma oração e como uma oferenda. Jesus confronta sua "hora", que o conduz à morte na cruz, imerso em uma profunda oração, que consiste na união da própria vontade com a do Pai. Esta dupla e única vontade é uma vontade de amor. Vivida nesta oração, a trágica prova que Jesus enfrenta é transformada em oferenda, em sacrifício vivo.

Disse a Carta que Jesus "foi escutado". Em que sentido? No sentido de que Deus Pai o libertou da morte e o ressuscitou. Foi escutado exatamente por seu pleno abandono à vontade do Pai: o desígnio de amor de Deus pôde perfeitamente ser realizado em Jesus que, tendo obedecido até o extremo da morte na cruz, transformou-se em "causa de salvação" para todos aqueles que Lhe obedecem. Transformou-se em Sumo Sacerdote ter tomado Ele mesmo sobre si todo o pecado do mundo, como "Cordeiro de Deus". É o Pai que Lhe confere este sacerdócio no próprio momento em que Jesus atravessa o passo de sua morte e ressurreição. Não é um sacerdócio segundo o ordenamento da lei mosaica (cf. Lv 8 -9), mas "de acordo com a ordem de Melquisedeque", de acordo com uma ordem profética, dependente apenas de sua relação única com Deus.

Voltemos à expressão da Carta aos Hebreus que diz: "mesmo sendo Filho, com o que sofreu e experimentou a obediência". O sacerdócio de Cristo comporta o sofrimento. Jesus sofreu verdadeiramente e o fez por nós. Ele era o Filho, não tinha necessidade de aprender a obediência, mas nós sim, teríamos e temos sempre esta necessidade. Consequentemente, o Filho assumiu nossa humanidade e se deixou "educar" por nós no crisol do sofrimento, deixou-se transformar por ele, como o grão de trigo que, para dar fruto, deve morrer na terra. Através deste processo, Jesus foi aperfeiçoado, em gregoteleiotheis. Devemos nos deter neste termo, porque é muito significativo. Indica o cumprimento de uma jornada, quer dizer, precisamente o caminho da educação e transformação do Filho de Deus mediante o sofrimento, mediante a paixão dolorosa. É graças a esta transformação que Jesus Cristo se converteu em "sumo sacerdote" e pode salvar a todos aqueles que se confiam a Ele. O termo teleiotheis, traduzido exatamente como "fato perfeito", pertence a uma raiz verbal que, na versão grega do Pentateuco, quer dizer, os primeiros cinco livros da Bíblia, sempre usado para indicar a consagração dos antigos sacerdotes. Esta descoberta é muito preciosa, porque nos diz que a paixão foi para Jesus como uma consagração sacerdotal. Ele não era sacerdote de acordo com a Lei, mas chegou a ser de forma existencial em sua Páscoa de paixão, morte e ressurreição: ofereceu-se a si mesmo em compensação e o Pai, exaltando-o acima de toda criatura, o constituiu Mediador universal de salvação.

Voltemos, em nossa meditação, para a Eucaristia, que daqui a pouco estará no centro de nossa assembleia litúrgica. Nela Jesus antecipou seu Sacrifício, um Sacrifício não ritual, mas pessoal. Na Última Ceia Ele atua movido por esse "espírito eterno" com o qual se oferecerá depois sob a Cruz (cf. Hb 9,14). Agradecendo e abençoando, Jesus transforma o pão e o vinho. É o amor divino que transforma: o amor com o qual Jesus aceita antecipadamente ser dado por completo a si mesmo por nós. Este amor não é outro que o Espírito Santo, o Espírito do Pai e do Filho, que consagra o pão e o vinho e muda sua substância no Corpo e no Sangue do Senhor, fazendo presente no Sacramento o mesmo Sacrifício que se realiza depois, de forma cruel, na Cruz. Podemos, portanto, concluir que Cristo foi sacerdote verdadeiro e eficaz, porque estava repleto da força do Espírito Santo, estava repleto de toda a plenitude do amor de Deus, e isto precisamente "na noite em que foi traído", precisamente na "hora das trevas" (cf. Lc 22,53). É esta força divina, a mesma que realizou a Encarnação do Verbo, a que transforma a violência extrema e a injustiça extrema em um ato supremo de amor e de justiça. Esta é a obra do sacerdócio de Cristo que a Igreja herdou e prolonga na história, na dupla forma do sacerdócio comum dos batizados e da ordenação dos ministros, para transformar o mundo com o amor de Deus. Todos, sacerdotes e fiéis, nos alimentamos da mesma Eucaristia, todos nos prostramos a adorá-La, porque nela está presente nosso Mestre e Senhor, está presente o verdadeiro Corpo de Jesus, Vítima e Sacerdote, salvação do mundo. Vinde, exultemos com cânticos de alegria! Vinde, adoremos! Amém.

[Tradução: Cláudio Luís Campos Mendes.

©Libreria Editrice Vaticana]





quinta-feira, 3 de junho de 2010

São Tomás de Aquino, o “Doutor Angélico”



CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 2 de junho de 2010.- Apresentamos, a seguir, a catequese dirigida pelo Papa aos grupos de peregrinos do mundo inteiro, reunidos na Praça de São Pedro para a audiência geral.


Queridos irmãos e irmãs:

Após algumas catequeses sobre o sacerdócio e minhas últimas viagens, voltamos hoje ao nosso tema principal, isto é, para a meditação sobre alguns grandes pensadores da Idade Média. Havíamos visto a grande figura de São Boaventura, franciscano, e hoje gostaria de falar daquele que a Igreja chama o Doctor communis: São Tomás de Aquino. Meu adorado antecessor, o Papa João Paulo II, em sua encíclica Fides et ratio, lembrou que São Tomás "sempre foi proposto pela Igreja como mestre do pensamento e modelo do modo certo de fazer teologia" (n. 43). Não surpreende que, depois de Santo Agostinho, entre os escritores eclesiásticos mencionados no Catecismo da Igreja Católica, São Tomás seja citado mais que qualquer outro, até 61 vezes! Foi chamado também Doctor Angelicus, talvez por suas virtudes, em particular a sublimidade de seu pensamento e a pureza de sua vida.

Tomás nasceu entre 1224 e 1225, no castelo que sua família, nobre e rica, possuía em Roccasecca, nas proximidades de Aquino, perto da célebre abadia de Monte Cassino, onde foi enviado por seus pais para receber os primeiros elementos de sua instrução. Um ano depois, mudou-se para a capital do Reino de Sicília, Nápoles, onde Federico II havia fundado uma prestigiosa Universidade. Nela era ensinado, sem as limitações existentes em outros lugares, o pensamento do filósofo grego Aristóteles, a quem o jovem Tomás foi apresentado e de quem intuiu grande valor imediatamente. Mas, sobretudo naqueles anos transcorridos em Nápoles, nasceu sua vocação dominicana. Tomás foi, de fato, atraído pelo ideal da ordem fundada não muitos anos antes por São Domingos. Contudo, quando revestiu o hábito dominicano, sua família opôs-se a esta escolha, obrigando-o a deixar o convento e a passar algum tempo em família.

Em 1245, já maior de idade, pôde retomar seu caminho de resposta ao chamado de Deus. Foi enviado a Paris para estudar teologia, sob a orientação de outro santo, Alberto Magno, sobre o qual falei recentemente. Alberto e Tomás estreitaram uma verdadeira e profunda amizade e aprenderam a estimar-se e a apreciar-se, até o ponto que Alberto quis que seu discípulo o acompanhasse, também, a Colônia, aonde ele havia sido enviado pelos superiores da ordem para fundar um estudo teológico. Tomás manteve, então, contato com todas as obras de Aristóteles e de seus comentaristas árabes, que Alberto ilustrava e explicava.

Naquele período, a cultura do mundo latino estava profundamente estimulada pelo encontro com as obras de Aristóteles, que haviam sido ignoradas por muito tempo. Tratava-se de textos sobre a natureza do conhecimento, sobre ciências naturais, sobre metafísica, sobre a alma e sobre a ética, repletos de informações e instruções que pareciam válidas e convincentes. Era toda uma visão completa do mundo elaborada sem e antes de Cristo, com a pura razão, e parecia impor-se à razão como "a" própria visão; era, portanto, uma fascinação incrível para os jovens verem e conhecerem esta filosofia. Muitos acolheram com entusiasmo, até mesmo com entusiasmo acrítico, esta enorme bagagem do antigo conhecimento, que parecia poder renovar vantajosamente a cultura, abrir totalmente novos horizontes. Outros, porém, temiam que o pensamento pagão de Aristóteles estivesse em oposição à fé cristã e recusavam estudá-lo.

Encontraram-se duas culturas: a cultura pré-cristã de Aristóteles, com sua racionalidade radical, e a cultura clássica cristã. Certos ambientes eram levados à rejeição de Aristóteles, também pela apresentação que deste filósofo faziam os comentaristas árabes Avicena e Averróis. Na realidade, foram eles que transmitiram para o mundo latino a filosofia aristotélica. Por exemplo, estes comentaristas tinham ensinado que os homens não têm uma inteligência pessoal, mas que há um único intelecto universal, uma substância espiritual comum a todos, que opera em todos como "única": portanto, uma despersonalização do homem. Outro ponto discutível transmitido pelos comentaristas árabes era aquele segundo o qual o mundo é eterno como Deus. Desencadearam-se, compreensivelmente, disputas sem fim no mundo universitário e no eclesiástico. A filosofia aristotélica ia se difundindo, inclusive pelas pessoas simples.

Tomás de Aquino, na escola de Alberto Magno, realizou uma operação de fundamental importância para a história da filosofia e da teologia, diria que para a história da cultura: estudou a fundo Aristóteles e seus intérpretes, procurando novas traduções latinas dos textos originais em grego. Assim, não se apoiava apenas nos comentaristas árabes, sendo que podia ler pessoalmente os textos originais, e comentou grande parte dos trabalhos aristotélicos, distinguindo neles o que era válido do que era duvidoso ou completamente rejeitável, mostrando a concordância com os dados da Revelação cristã e utilizando ampla e intensamente o pensamento aristotélico na exposição dos manuscritos teológicos que compôs. Em definitivo, Tomás de Aquino mostrou que entre a fé cristã e a razão subsiste uma harmonia natural. E esta é a grande obra de Tomás, que, naquele momento de confrontação entre duas culturas - momento em que parecia que a fé teria que render-se à razão -, mostrou que ambas caminham juntas; que, quando a razão parecia incompatível com a fé, não era razão, e quando a fé parecia opor-se à verdadeira racionalidade, não era fé; assim, criou uma nova síntese, que formou a cultura dos séculos seguintes.

Por seus excelentes dotes intelectuais, Tomás foi chamado a Paris como professor de teologia na cátedra dominicana. Aqui começou também sua produção literária, que prosseguiu até sua morte e que tem algo de prodigioso: comentários à Sagrada Escritura, porque o professor de teologia era, sobretudo, intérprete da Escrituras, comentários aos manuscritos de Aristóteles, obras sistemáticas poderosas, entre as quais sobressai a Summa Theologiae, tratados e discursos sobre argumentos diversos. Para a composição de seus textos, era ajudado por alguns secretários, entre eles seu irmão Reginaldo de Piperno, que o seguiu fielmente e ao qual esteve ligado por uma amizade sincera e fraterna, caracterizada por uma grande confiança. Esta é uma característica dos santos: eles cultivavam a amizade, porque esta é uma das manifestações mais nobres do coração humano e tem em si algo de divino, como Tomás mesmo explicou em algumas quaestiones daSumma Theologia, na qual escreve: "A caridade é a amizade do homem com Deus principalmente, e com os seres que Lhe pertencem (II, q. 23, a.1)".

Não permaneceu durante muito tempo e de um modo estável em Paris. Em 1259 participou do Capítulo Geral dos Dominicanos para Valenciennes, onde foi membro de uma comissão que estabeleceu o programa de estudos da ordem. De 1261 a 1265, depois, Tomás esteve em Orvieto. O Pontífice Urbano IV, que sentia por ele uma grande estima, o encarregou da composição dos textos litúrgicos para a festa de Corpus Domini, que celebramos amanhã, instituída depois do milagre eucarístico de Bolsena. Tomás teve uma alma perfeitamente eucarística. Os belíssimos hinos que a liturgia da Igreja canta para celebrar o mistério da presença real do Corpo e do Sangue do Senhor, na Eucaristia são atribuídos à sua fé e à sua sabedoria teológica. Entre 1265 e 1268, Tomás residiu em Roma, onde, provavelmente, dirigia um Studium, quer dizer, uma Casa de Estudos da Ordem, e onde começou a escrever sua Summa Theologiae (cf. Jean-Pierre Torrell, Tommaso d'Aquino. L'uomo e il teologo, Casale Monf., 1994, pp. 118-184).

Em 1269, foi chamado novamente a Paris para um segundo ciclo de ensinos. Os estudantes - compreende-se - estavam encantados com suas lições. Um ex-aluno seu declarou que uma enorme multidão de estudantes seguia os cursos de Tomás, tanto que as salas de aula não conseguiam comportar-lhes, e acrescentou, com uma anotação pessoal que "escutá-lo era para ele uma felicidade profunda". A interpretação de Aristóteles dada por Tomás não era aceita por todos, mas até mesmo seus adversários no campo acadêmico, como Godofredo de Fontaines, por exemplo, admitiam que a doutrina de Tomás era superior a outras por sua utilidade e valor e servia a todos os demais doutores. Talvez também para subtraí-lo das vivazes discussões em curso, os superiores enviaram-no mais uma vez a Nápoles, para colocar-se à disposição do rei Carlos I, que queria organizar os estudos universitários.

Além do estudo e do ensino, Tomás dedicou-se também à pregação ao povo. E também o povo ia de bom grado escutá-lo. Diria que é verdadeiramente uma graça grande quando os teólogos sabem falar com simplicidade e fervor aos fiéis. Por outro lado, o ministério da pregação ajuda os próprios especialistas em teologia, num saudável realismo pastoral, e enriquece de estímulos vivazes sua investigação.

Os últimos meses da vida terrena de Tomás permanecem rodeados de uma atmosfera particular, diria misteriosa. Em dezembro de 1273, chamou seu amigo e secretário Reginaldo para comunicar-lhe sua decisão de interromper todo o trabalho, porque durante a celebração da Missa havia compreendido, a partir de uma revelação sobrenatural, que tudo que ele tinha escrito até então era apenas "um montão de palha". É um episódio misterioso que nos ajuda compreender não apenas a humildade pessoal de Tomás, mas também o fato de que tudo aquilo que chegamos a pensar e a dizer sobre a fé, por mais elevado e puro que seja, é infinitamente superado pela grandeza e pela beleza de Deus, que nos será revelada em plenitude no Paraíso. Um mês depois, cada vez mais absorto em uma meditação pensativa, Tomás morreu enquanto estava de viagem para Lyon, aonde ia para participar do Concílio Ecumênico proclamado pelo Papa Gregório X. Apagou-se na Abadia Cisterciense de Fossanova, após ter recebido o Viático com sentimentos de grande piedade.

A vida e o ensinamento de São Tomás de Aquino poderia se resumir em um episódio apanhado pelos biógrafos antigos. Enquanto o santo, como era seu costume, estava em oração perante o crucifixo, pelo início da manhã na Capela de São Nicolau, em Nápoles, Domingo de Caserta, o sacristão da igreja, sentiu desenvolver-se um diálogo. Tomás perguntava, preocupado, se o que havia escrito sobre os mistérios da fé cristã estava correto. E o Crucifixo respondeu: "Tu tens falado bem de mim, Tomás. Qual será tua recompensa?". E a resposta que Tomás deu é a que nós também, amigos e discípulos de Jesus, sempre quisemos dizer: "Nada mais que Tu, Senhor" (Ibidem, p. 320).

[No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]

Queridos irmãos e irmãs:

São Tomás de Aquino é proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia. Nascido na primeira metade do século XIII, no seio de uma família nobre e rica, fez os primeiros estudos na abadia beneditina de Monte Cassino, seguindo depois para Nápoles, onde teve o primeiro contato com as obras de Aristóteles. Aí decide fazer-se dominicano, enfrentando a oposição familiar. Enviado a Paris, teve como professor Santo Alberto Magno, com quem pôde aprofundar nos estudos aristotélicos: com efeito, as obras deste filósofo grego eram vistas por muitos como contrárias à fé cristã, mas Tomás soube distinguir aquilo que era válido, do que era duvidoso ou mesmo contrário à fé, mostrando assim a harmonia natural entre a fé cristã e a razão. Escreveu inúmeras obras, dentre as quais se destaca aSumma Theologiae. Profundo amante do mistério eucarístico, compôs os textos litúrgicos da festa de Corpus Christi. Depois de uma experiência mística enquanto celebrava a Missa, decidiu interromper a sua produção literária, reconhecendo humildemente que tudo quanto tinha escrito era infinitamente superado pela grandeza e beleza de Deus. Morreu a caminho do concílio ecumênico de Lion.

Uma saudação afetuosa a todos os peregrinos vindos do Brasil e demais países lusófonos, nomeadamente os fiéis da diocese de Serrinha, acompanhados do seu bispo, Dom Ottorino Assolari! Possa cada um de vós encontrar Jesus Cristo vivo e operante na Igreja através da sua presença real na Eucaristia. E assim, fortalecidos com a sua graça, possais servi-lo nos irmãos. De coração, a todos abençoo. Ide com Deus!

[Tradução: Cláudio Luís Campos Mendes

©Libreria Editrice Vaticana]




quarta-feira, 2 de junho de 2010

«Creio na ressurreição da carne» (Credo)



Marcos 12,18-27.
Vieram ter com Ele os saduceus, que negam a ressurreição, e interrogaram-no: «Mestre, Moisés prescreveu-nos que se morrer o irmão de alguém, deixando a mulher e não deixando filhos, seu irmão terá de casar com a viúva para dar descendência ao irmão. Ora havia sete irmãos, e o primeiro casou e morreu sem deixar filhos. O segundo casou com a viúva e morreu também sem deixar descendência, e o mesmo aconteceu ao terceiro; e todos os sete morreram sem deixar descendência. Finalmente, morreu a mulher. Na ressurreição, de qual deles será ela mulher? Porque os sete a tiveram por mulher.» Disse Jesus: «Não andareis enganados por desconhecer as Escrituras e o poder de Deus? Quando ressuscitarem de entre os mortos, nem eles se casarão, nem elas serão dadas em casamento, mas serão como anjos no Céu. E acerca de os mortos ressuscitarem, não lestes no livro de Moisés, no episódio da sarça, como Deus lhe falou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob? Não é um Deus de mortos, mas de vivos. Andais muito enganados.»



Comentário ao Evangelho do dia feito por São Justino (c. 100 -160), filósofo, mártir Tratado sobre a ressurreição, 2.4.7-9 (a partir da trad. OC, Migne, 1994, pp. 345ss.)


«Creio na ressurreição da carne» (Credo)


Aqueles que estão enganados dizem que não há ressurreição da carne, que é impossível que esta, após ter sido destruída e reduzida a pó, reencontre a sua integridade. Segundo eles, a salvação da carne seria não apenas impossível mas nociva: eles culpam a carne, denunciam os seus defeitos, tornam-na responsável pelos pecados; dizem que, se esta carne ressuscitar, também os seus defeitos ressuscitarão [...]. E aliás o Salvador disse «Quando ressuscitarem de entre os mortos não se casarão, mas serão como anjos nos céus». Ora os anjos, dizem eles, não têm carne, não comem nem se unem. Portanto, dizem eles, não haverá ressurreição da carne. [...]

Como são cegos os olhos do intelecto! Porque eles não viram na terra «os cegos verem, os coxos caminharem» (Mt 11, 5) graças à palavra do Salvador [...], para nos fazer crer que na ressurreição a carne ressuscitará completa. Se nesta terra Ele curou as enfermidades da carne e devolveu ao corpo a sua integridade, quanto mais fará no momento da ressurreição, para que a carne ressuscite sem defeito, integralmente [...]. Parece-me que essas pessoas ignoram a ação divina no seu conjunto, na origem da criação, no fabrico do homem; elas ignoram a razão por que as coisas terrenas foram feitas.

O Verbo disse: «Façamos o homem à Nossa imagem e semelhança» (Gn 1, 26). [...] É evidente que o homem, moldado à imagem de Deus, era de carne. Que absurdo é considerar desprezível e sem qualquer mérito a carne moldada por Deus segundo a Sua imagem! É evidente que a carne é preciosa aos olhos de Deus porque é obra Sua. E, porque nela se encontra o princípio do Seu projeto para o resto da criação, é o que há de mais precioso aos olhos do Criador.

terça-feira, 1 de junho de 2010

“DAI A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR E A DEUS O QUE É DE DEUS”




Marcos 12,13-17.

Naquele tempo, 13as autoridades mandaram alguns fariseus e alguns partidários de Herodes, para apanharem Jesus em alguma palavra. 14Quando chegaram, disseram a Jesus: "Mestre, sabemos que tu és verdadeiro, e não dás preferência a ninguém. Com efeito, tu não olhas para as aparências do homem, mas ensinas, com verdade, o caminho de Deus. Dize-nos: É lícito ou não pagar o imposto a César? Devemos pagar ou não?"
15Jesus percebeu a hipocrisia deles, e respondeu: "Por que me tentais? Trazei-me uma moeda para que eu a veja". 16Eles levaram a moeda, e Jesus perguntou: "De quem é a figura e inscrição que estão nessa moeda?" Eles responderam: "De César".
17Então Jesus disse: "Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus". E eles ficaram admirados com Jesus.


Comentário ao Evangelho do dia feito por São Columbano (563-615), monge, fundador de mosteiros Instrução 11, 1-4: PL 80, 250-252 (a partir da trad. Orval)

«De quem é esta imagem?»


Moisés escreveu na Lei: «Deus fez o homem à Sua imagem e semelhança» (Gn 1, 26). Peço-vos que considereis a importância desta afirmação: Deus, o omnipotente, o invisível, o incompreensível, o inestimável, ao formar o homem com o barro da terra, enobreceu-o com a imagem da Sua própria grandeza. O que têm em comum o homem e Deus, o barro e o espírito? Com efeito, «Deus é espírito» (Jo 4, 24). Foi, pois, uma grande prova de estima pelo homem ter-lhe Deus concedido a imagem da Sua eternidade e a semelhança da Sua própria vida. A grandeza do homem é a sua semelhança com Deus, desde que a conserve. [...]

Enquanto a alma fizer bom uso das virtudes nela semeadas, será semelhante a Deus. Deus ensinou-nos a remeter para Ele todas as virtudes que colocou em nós quando nos criou. Pede-nos, antes de mais, que amemos a Deus com todo o coração (Dt 6, 5), porque «Ele amou-nos primeiro» (1Jo 4, 10), amou-nos
desde o começo, antes mesmo de existirmos. Amar a Deus é, pois, renovar em nós a Sua imagem. Ora, ama a Deus aquele que guarda os Seus mandamentos. [...]

Temos, pois, o dever de reflectir em honra do nosso Deus, do nosso Pai, a imagem inviolada da Sua santidade, porque Ele é santo e nos disse: «Sede santos como Eu sou santo» (Lv 11, 45); com amor, porque Ele é amor e João disse: «Deus é amor» (1Jo 4, 8); com ternura e em verdade, porque Deus é
bom e verdadeiro. Não sejamos pintores de uma imagem infiel. [...] E, a fim de não introduzirmos em nós a imagem do orgulho, consintamos que Cristo pinte a Sua imagem em nós.