sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O argueiro e a trave

Lucas 6,39-42
Jesus disse-lhes ainda esta parábola: «Um cego pode guiar outro cego? Não cairão os dois nalguma cova? Não está o discípulo acima do mestre, mas o discípulo bem formado será como o mestre. Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não reparas na trave que está na tua própria vista? Como podes dizer ao teu irmão: 'Irmão, deixa-me tirar o argueiro da tua vista', tu que não vês a trave que está na tua? Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista e, então, verás para tirar o argueiro da vista do teu irmão.»


Comentário ao Evangelho do dia feito por Santo Agostinho (354-430), Bispo de Hipona (África do Norte) e Doutor da Igreja Explicação do Sermão da montanha, 19 (a partir da trad. DDB 1978, p.134)


«O argueiro e a trave»


«Como podes dizer ao teu irmão: 'Irmão, deixa-me tirar o argueiro da tua vista', tu que não vês a trave que está na tua? Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista e, então, verás para tirar o argueiro da vista do teu irmão». Quer isto dizer: afasta primeiro, para longe de ti, o ódio: poderás então corrigir aquele a quem amas. E Ele diz «hipócrita» justamente. Censurar os vícios deve ser a atitude própria dos homens justos e bondosos. Ao fazê-lo, os homens maus usurpam um papel; fazem lembrar comediantes que escondem por detrás de uma máscara a sua identidade [...].


Quando tivermos de censurar ou corrigir, façamos com escrupulosa preocupação esta pergunta a nós próprios: será que nunca cometemos esse erro? E ficámos curados dele? Mesmo se nunca o tivermos cometido, lembremo-nos de que somos humanos e de que podíamos tê-lo cometido. Se por outro lado o tivermos cometido no passado, lembremo-nos da nossa fragilidade para que a benevolência e não o ódio nos dite reprovação ou censura. Venha o culpado a tornar-se melhor ou pior com a nossa censura benévola – pois o resultado é incerto –, ficaremos ao menos seguros de que o nosso olhar se manteve puro. Mas se na introspecção descobrirmos em nós o mesmo defeito que pretendemos repreender, em vez de admoestar com reprimendas o culpado, choremos com ele; não lhe peçamos que nos obedeça, mas que partilhe o nosso esforço.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso

Lucas 6,27-38
«Digo-vos, porém, a vós que me escutais: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam. A quem te bater numa das faces, oferece-lhe também a outra; e a quem te levar a capa, não impeças de levar também a túnica. Dá a todo aquele que te pede e, a quem se apoderar do que é teu, não lho reclames. O que quiserdes que os outros vos façam, fazei-lho vós também. Se amais os que vos amam, que agradecimento mereceis? Os pecadores também amam aqueles que os amam. Se fazeis bem aos que vos fazem bem, que agradecimento mereceis? Também os pecadores fazem o mesmo. E, se emprestais àqueles de quem esperais receber, que agradecimento mereceis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, a fim de receberem outro tanto. Vós, porém, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem nada esperar em troca. Então, a vossa recompensa será grande e sereis filhos do Altíssimo, porque Ele é bom até para os ingratos e os maus. Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso.» «Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai e ser-vos-á dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco.»


Comentário ao Evangelho do dia feito por Santo Isaac, o Sírio (séc. VII), monge perto de Mossul Discursos ascéticos, 1.ª série, n.º 81 (a partir da trad. AELF; cf trad. Touraille, DDB 1981, p. 395)

«Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso»

Não procures distinguir o homem digno do que não o é. Que a teus olhos
todos os homens sejam iguais para os amares e os servires da mesma forma. Poderás assim levá-los a todos ao bem. Não partilhou o Senhor a mesa dos publicanos e das mulheres de má vida, sem afastar de Si os indignos? Do mesmo modo, concederás tu benefícios iguais e honras iguais ao infiel, ao assassino, tanto mais que também ele é teu irmão, pois participa da única natureza humana. Aqui está, meu filho, um mandamento que te dou: que a misericórdia pese sempre mais na tua balança, até ao momento em que sentires em ti a misericórdia que Deus tem para com o Mundo.


Quando percebe o homem que atingiu a pureza do coração? Quando considerar que todos os homens são bons, e nem um lhe apareça impuro e maculado. Então, em verdade ele é puro de coração (Mt 5, 8) [...].


O que é esta pureza? Em poucas palavras, é a misericórdia do coração para com o universo inteiro. E o que é a misericórdia do coração? É a chama que o inflama por toda a criação, pelos homens, pelos pássaros, pelos animais, pelos demónios, por todo o ser criado. Quando o homem pensa neles, quando os olha, sente os olhos encherem-se das lágrimas de uma profunda, uma intensa piedade que lhe aperta o coração, e que o torna incapaz de ouvir, de ver, de tolerar o erro ou a aflição, mesmo ínfimos, sofridos pelas criaturas. É por isso que, numa oração acompanhada por lágrimas, devemos sempre pedir tanto pelos seres desprovidos de fala como pelos inimigos da verdade, como ainda pelos que a maltratam, para que sejam salvos e purificados. No coração do homem nasce uma compaixão imensa e sem limites, à imagem de Deus.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Mozart ensina uma “consoladora” relação com a morte

Em um concerto em que se interpretou o Requiem

CASTEL GANDOLFO, quarta-feira, 8 de setembro de 2010 – Wolfgang Amadeus Mozart ensina com sua obra musical que a morte é “como uma chave para atravessar a porta para a felicidade”, explicou Bento XVI na tarde dessa terça-feira, ao participar de um concerto em que se interpretou o Requiem do “sumo músico” de Salzburgo.

O pontífice, confessando que desde a infância sua vida está ligada de maneira particular à música de Mozart, explicou como para o compositor a morte não é algo que provoca medo, mas uma certeza “consoladora”.

O Papa tomou a palavra ao final do concerto em que a Orquestra de Pádua e de Vêneto e o coro “Academia da voz”, de Turim, interpretaram a Missa de Requiem em ré menor K 626, no pátio da residência pontifícia de Castel Gandolfo, como homenagem da Academia Pontifícia das Ciências ao pontífice.

Falando do compositor austríaco, o Papa confessou: “cada vez que escuto sua música, não posso deixar de voltar com a memória à minha igreja paroquial, onde quando era pequeno, nos dias de festa, ressoava uma de suas ‘missas’: no coração sentia que me alcançava um raio da beleza do Céu, e esta sensação eu continuo a experimentar também hoje, toda vez que escuto esta grande meditação, dramática e serena, sobre a morte”.

“Em Mozart, tudo está em perfeita harmonia, cada nota, cada frase musical; é assim e não poderia ser de outra maneira; inclusive os opostos ficam r

econciliados, é a mozart'sche Heiterkeit, a 'serenidade mozartiana' que tudo envolve, a cada momento”.

“É um dom da Graça de Deus – disse o Papa –, mas é também o fruto da fé viva de Mozart que, especialmente na música sacra, consegue refletir a resposta luminosa do Amor divino, que dá esperança, inclusive quando a vida humana é lacerada pelo sofrimento e a morte”.

O Papa citou a última carta que Mozart escreveu a seu pai, Leopold, datada de 4 de abril de 1787, em que dizia: “desde algum tempo, alcancei tanta familiaridade com esta amiga sincera e sumamente querida do homem [a morte], que sua imagem já não só não tem nada de aterrador, mas que me parece inclusive muito tranquilizante e consoladora! E dou graças a Deus por me ter concedido a sorte de ter a oportunidade de reconhecer nela a chave de nossa felicidade”.

“Não me deito nunca sem pensar que no dia seguinte talvez já não estarei – acrescentava o grande músico –. E, no entanto, ninguém que me conhece poderá dizer que eu seja triste ou de mau humor. E por esta sorte, dou graças todo dia ao meu Criador e a desejo de todo coração a cada um de meus semelhantes.”

Neste escrito, o Papa percebe “uma fé profunda e simples, que aparece também na grande oração do Requiem, e nos leva, ao mesmo tempo, a amar intensamente as vicissitudes da vida terrena como dons de Deus e a nos elevarmos acima delas, contemplando serenamente a morte como uma chave para atravessar a porta para a felicidade”.

Por isso, concluiu o pontífice, “o Requiem de Mozart é uma elevada expressão de fé, que reconhece o caráter trágico da existência humana e que não oculta seus aspectos dramáticos, e por este motivo é uma expressão de fé propriamente cristã, consciente de que toda a vida do homem está iluminada pelo amor de Deus”.


(ZENIT.org)

Uma mãe digna d'Aquele que a criou

Mateus 1,1-16.18-23
Genealogia de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão: Abraão gerou Isaac; Isaac gerou Jacob; Jacob gerou Judá e seus irmãos; Judá gerou, de Tamar, Peres e Zera; Peres gerou Hesron; Hesron gerou Rame; Rame gerou Aminadab; Aminadab gerou Nachon; Nachon gerou Salmon; Salmon gerou, de Raab, Booz; Booz gerou, de Rute, Obed; Obed gerou Jessé; Jessé gerou o rei David. David, da mulher de Urias, gerou Salomão; Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asa; Asa gerou Josafat; Josafat gerou Jorão; Jorão gerou Uzias; Uzias gerou Jotam; Jotam gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias; Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amon; Amon gerou Josias; Josias gerou Jeconias e seus irmãos, na época da deportação para Babilónia.
Depois da deportação para Babilónia, Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel; Zorobabel gerou Abiud. Abiud gerou Eliaquim; Eliaquim gerou Azur; Azur gerou Sadoc; Sadoc gerou Aquim; Aquim gerou Eliud; Eliud gerou Eleázar; Eleázar gerou Matan; Matan gerou Jacob. Jacob gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo. Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava desposada com José; antes de coabitarem, notou-se que tinha concebido pelo poder do Espírito Santo. José, seu esposo, que era um homem justo e não queria difamá-la, resolveu deixá-la secretamente. Andando ele a pensar nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados.» Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho; e hão-de chamá lo Emanuel, que quer dizer: Deus connosco.


Comentário ao Evangelho do dia feito por São João Damasceno (c. 675-749), monge, teólogo, Doutor da Igreja Homilia sobre a Natividade da Virgem Maria (a partir da trad. cf SC 80, p. 48)

Uma mãe digna d'Aquele que a criou

Vinde, todas as nações; vinde, homens de todas as raças, de todas as línguas, de todas as idades, de todas as dignidades. Com alegria, festejemos a natividade da alegria do mundo inteiro! Se até os pagãos honram o aniversário do seu rei [...], que não deveríamos nós fazer para honrar o da Mãe de Deus, por quem toda a humanidade foi transformada, por quem a dor de Eva, nossa primeira mãe, foi transformada em alegria! Com efeito, Eva ouviu a sentença de Deus: «Darás à luz na dor» (Gn 3, 16); e Maria: «Regozija-te, ó cheia de graça [...], o Senhor está contigo» (Lc 1, 28). [...]

Que toda a criação esteja em festa e cante o santo parto de uma santa mulher, pois ela trouxe ao mundo um tesouro indestrutível. [...] Por ela, o Verbo criador de Deus uniu-Se a toda a criação, e nós festejamos o fim da esterilidade humana, o fim da enfermidade que nos impedia de possuir o bem. [...] A natureza deu lugar à graça. [...] Como a Virgem Mãe de Deus devia nascer de Ana, a estéril, a natureza permaneceu sem fruto até que a graça deu à luz o seu fruto. Era preciso que fosse aquela que ia dar à luz «o Primogénito de todas as criaturas», em que «tudo subsiste» (Col 1, 15.17), a abrir o seio de sua mãe.

Joaquim e Ana, casal bem aventurado! Toda a criação está em dívida para convosco; por vós, ela ofereceu ao Criador o melhor dos seus dons: uma Mãe digna de veneração, a única Mãe digna d'Aquele que a criou.

domingo, 5 de setembro de 2010

Oferecer a Deus o nosso verdadeiro tesouro




Lucas 14,25-33
Seguiam com ele grandes multidões; e Jesus, voltando-se para elas, disse-lhes: «Se alguém vem ter comigo e não me tem mais amor que ao seu pai, à sua mãe, à sua esposa, aos seus filhos, aos seus irmãos, às suas irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não tomar a sua cruz para me seguir não pode ser meu discípulo. Quem dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro para calcular a despesa e ver se tem com que a concluir? Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não a podendo acabar, todos os que virem comecem a troçar dele, dizendo: 'Este homem começou a construir e não pôde acabar.' Ou qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei e não se senta primeiro para examinar se lhe é possível com dez mil homens opor-se àquele que vem contra ele com vinte mil? Se não pode, estando o outro ainda longe, manda-lhe embaixadores a pedir a paz. Assim, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.»


Comentário ao Evangelho do dia feito por João Cassiano (c. 360-435), fundador de mosteiro em Marselha Conferências, I, 6-7, (a partir da trad. de SC 42, pp. 83-85)

Oferecer a Deus o nosso verdadeiro tesouro


Muitos dos que, para seguirem a Cristo, tinham desprezado fortunas consideráveis, enormes quantias de ouro e de prata e propriedades magníficas, mais tarde deixaram-se apegar a um raspador, a um estilete, a uma agulha, a um junco de escrita. [...] Depois de terem distribuído todas as suas riquezas por amor a Cristo, retiveram a sua anterior paixão e colocaram-na em futilidades, sendo capazes de se deixar levar pela cólera para as reter. Não tendo a caridade de que fala São Paulo, a sua vida foi tocada pela esterilidade. O bem-aventurado apóstolo previu essa infelicidade: «Ainda que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada me aproveita», dizia (1Cor 13, 3). Prova evidente de que não atingimos de imediato a perfeição pela simples renúncia a todas as riquezas e pelo desprezo de todas as honras, se a isso não juntarmos essa caridade cujas características o apóstolo descreve.


Ora esta caridade apenas se encontra na pureza do coração. Porque rejeitar a inveja, a arrogância, a ira e a frivolidade, não procurar o próprio interesse, não se alegrar com a injustiça, não guardar ressentimento e tudo o resto (1Cor 13, 4-5), que é tudo isso se não oferecer continuamente a Deus um coração perfeito e muito puro e mantê-lo isento de toda a moção das paixões? Assim, a pureza do coração será o fim último das nossas acções e dos nossos desejos.