segunda-feira, 15 de março de 2010

Graça: supõe a natureza?




Graça: supõe a natureza?
por Paulo Faitanin
UFF

1. São Tomás de Aquino: O significado mais comum e usual da palavra natureza é o que designa o mundo físico. O seu sentido técnico filosófico-teológico indica a essência de uma coisa vista como princípio de ação. A natureza neste segundo sentido é entendida como princípio intrínseco de uma realidade. Sobre a relação de natureza e graça, São Tomás afirma que a natureza é uma capacidade passiva, uma mera potentia oboedientialis à elevação ao estado sobrenatural. E a graça é um dom absolutamente gratuito que ajuda a natureza a agir bem [S.Theo. I-II, q.110, a.4].
A natureza humana, depois do pecado original, permaneceu íntegra, com relação ao seu constitutivo essencial. Contudo, perdeu seu ordenamento natural ao bem que, quanto ao seu fim último, é a felicidade humana, que consiste em ver a Deus face a face [In II Sent. D.32, q.2, a.2, sol.]. Portanto, a dimensão essencial [natureza] do ser do homem permanece, mas a dimensão do operar [o agir] humano, com relação ao seu fim próprio foi perdida. Com o pecado, o homem não deixou de ser homem, mas perdeu a capacidade de agir como homem, segundo o fim para o qual foi criado.

2. Santo Agostinho: O santo de Hipona é Doutor da Graça. Em sua obra A natureza e a graça, encontramos um perene ensinamento. Transcrevemos abaixo na íntegra a excelente resenha desta obra publicada na forma de introdução por Roque Frangiotti:

" Para Agostinho, a natureza merece elogios como obra saída das mãos criadoras de Deus, mas, no estado atual, acha-se enferma e debilitada devido ao pecado, necessitada de socorro divino, isto é, da graça. Esta aperfeiçoa, enobrece, cura e santifica o homem. Reconhece o valor da natureza, porém, deixada a si mesma, não tem nenhuma potencialidade, a não ser para o pecado. Deus criara, de fato, o homem com perfeição, equilíbrio e íntegro. Com a transgressão, perdeu a integridade e este despojamento foi transmitido às gerações sucessivas. Neste estado, o homem não teria salvação se não lhe fosse dada a graça de Deus. Esta é dom gratuito. Não é devida aos méritos humanos: gratia gratis data, unde et gratia nomiatur [a graça é dada de graça, pelo que esse nome lhe é dado]. Agostinho insiste em que a graça não é dada em recompensa a nossos méritos ou devido à nossa dignidade natural: Trabalhei mais que todos, embora não eu, mas a graça de Deus que está comigo (1Cor 15,10). O mérito não é fruto do ato humano, mas da ação amorosa de Deus. Do contrário, a graça não seria dom, mas soldo. Para Agostinho, a verdadeira graça é aquela obtida pelos méritos de Jesus Cristo, aquela que não é a natureza, mas a que salva a natureza. Contudo, o homem não permanece meramente passivo sob a ação da graça. Há cooperação humana. A graça nos faz cooperadores de Deus, porque, além de perdoar os pecados, faz com que o espírito humano coopere na prática das boas obras: nós agimos, mas Deus opera em nosso agir. Natureza e graça não são forças que se opõem, que se destroem, mas que se irmanam, se ajudam. Assim como a medicina não vai contra a natureza, mas contra a enfermidade, a graça vai contra os vícios e defeitos da natureza. Por isso a graça não destrói a natureza, mas a aperfeiçoa [gratia non tollit, sed perficit naturam]. Contra aqueles que crêem na inocência do homem, no seu poder de viver sem pecado graças a seus próprios esforços, Agostinho explora a miséria espiritual profunda do homem, tanto antes quanto depois do batismo. Antes, pelo fato da transmissão hereditária e da imputação do pecado de Adão. Depois do batismo, o homem se torna inevitavelmente pecador por força da concupiscência. Há uma espécie de necessidade de pecar. Por essa razão, o homem tem necessidade a cada instante e em cada um de seus atos de um socorro divino . [Santo Agostinho, A Graça (I). São Paulo: Paulus, 1999, Introdução por R. Frangiotti, pp.106- 108.].


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