sábado, 19 de fevereiro de 2011

Formação - Célio de Moura

De “O canto do Espírito” de Raniero Cantalamessa


Do que nos cura o Espírito Santo?




Mas não nos interessa apenas conhecer a história ou a doutrina sobre as curas, o mais importante é obter a cura. É o que pedimos ao Espírito Santo com a s palavras: “Revigora com teu eterno poder o que em nosso corpo está enfermo”. Em nosso corpo, não só no corpo dos outros. Para esse fim, queremos aludir a alguns tipos principais de “enfermidades” do corpo, na eventualidade que entre elas esteja alguma que reconhecemos como nossa e da qual devemos pedir ao Espírito Santo que nos cure.

Entre as enfermidades, algumas não são absolutamente contraídas por culpa da pessoa: limitações físicas de nascença ou adquiridas, disfunções de alguns dos nossos órgãos, taras hereditárias, traumas derivados de dificuldades nos primeiros anos de vida, talvez até do seio materno; quando não se devem, simplesmente, às circunstâncias da existência e à nossa condição humana.

Outras podem ser, em parte, fruto também de culpa nossa, como as diversas “dependências”: do álcool ou da droga, do fumo, desordens no comer, abusos no campo da sexualidade.

Há doenças cujas raízes estarão no inconsciente e na memória e parecem, então, mais doença da alma que do corpo, mas que influem profundamente também sobre a nossa vida física: medo de morrer, distúrbios oriundos de uma má relação com um pai autoritário ou uma mãe possessiva, complexos diversos, agressividade, insegurança.

Na mesma esteira se situam a não-aceitação de si mesmo ou dos outros: a depressão, o desânimo e a tristeza crônica; rancores, ressentimentos profundamente enraizados.

Uma coisa a qual nos advertem justamente os psicólogos é, afinal, o apego à nossa própria doença. Pode acontecer, com efeito, que uma pessoa acabe encontrando na própria doença, ou neurose, um refúgio, que não seja capaz de conceber a própria vida numa situação diferente nem renunciar à comiseração de que se fez objeto. Jesus perguntou ao paralítico da piscina de Betesda: “Queres ficar curado?” (Jo 5,6). Pergunta aparentemente estranha, mas não tanto...

Quando se trata de doenças psicológicas de raízes profundas, em que se acha comprometida, de certa forma, a liberdade do enfermo, é preciso que o doente colabore com a ação do Espírito Santo, removendo certos obstáculos, sobretudo arrependendo-se e perdoando, se tiver alguma coisa a perdoar. Grande importância assume, nesse terreno, o aproximar-se bem e com fé dos sacramentos. Neles nos é dada a graça, na fé, de tocarmos ainda a “ponta do manto” de Jesus para que Ele nos cure (cf. Mt 9,21): do Corpo Eucarístico de Cristo continua saindo aquela sua “força que curava a todos” (cf. Lc 6,19).

Mas também a Palavra de Deus pode ser um instrumento poderoso de cura. Diz a Escritura a propósito do povo de Deus no deserto: “Não foi erva nenhuma que os curou, nem algum cataplasma, mas sim a Tua palavra, Senhor, que tudo cura” (Sb 16,12).

E quem não fica curado?

E aqueles muitos que, apesar de toda a nossa fé, intensa oração, “liturgias de cura”, não ficam curados? De quem é a culpa?

Alguns respondem: “Porque ele tem pouca fé, ou pela pouca fé daqueles que oram sobre ele. Deus quer curar sempre, a todos; a doença é conseqüência do pecado; é contrária à vontade de Deus...

Mas se fosse assim, seria necessário concluir que muitos santos tinham fé pequena, porque muitas vezes tiveram que sofrer toda a sorte de doenças. A “sã doutrina” da Igreja é que o poder do Espírito Santo não se manifesta só de um modo: eliminando o mal, curando, mas também dando a capacidade e muitas vezes até a alegria de suportar, com Cristo, a enfermidade, “suprindo na própria carne pela Igreja, seu corpo, o que falta às tribulações de Cristo” (cf. Cl 1,24). Cristo remiu o sofrimento e a morte; o sofrimento já não é sinal do pecado e participação na culpa de Adão, mas é instrumento de redenção e participação na vida do Novo Adão.

Não há nada que não possa entrar nesta esfera de valores: nem as mazelas físicas nem os males psíquicos. Cristo assumiu o medo da morte, a angústia. Mesmo as neuroses podem tornar-se uma chance de santificação, caso façam parte de uma bagagem natural não eliminável. As neuroses não pouparam nem mesmo alguns santos; não impediram, porém, que se santificassem! Em caso de doenças desse tipo, a fé e a ação de Espírito Santo se manifestam de outra maneira: dando à pessoa a capacidade de viver a própria doença de modo novo, com mais liberdade no convívio com ela, sem deixar-se esmagar pela doença.

A razão profunda para isso é que Deus, em toda a sua obra, decidiu vencer o mal, não aniquilando-o com a sua onipotência, mas assumindo-o em Cristo, vencendo-o e transformando-o por dentro; “Ele tomou as nossas dores e carregou as nossas enfermidades” (Mt 8,17; Is 53,4)

Temos um luminoso exemplo disso no apóstolo Paulo. Muitas vezes ele pedira ao Senhor que lhe tirasse um “espinho na carne”, mas ouviu esta resposta: “Basta a minha graça, porque é na fraqueza que a força chega à perfeição” (2Cor 12,9).

O apóstolo rompeu então neste grito de fé “Portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas. Pois, quando me sinto fraco, então é que sou forte” (2Cor 12, 9-10). O poder do Espírito Santo diante das enfermidades do nosso corpo se manifesta ainda mais perfeitamente quando nos dá a força para suportar com Cristo o nosso mal, do que curando-nos milagrosamente do mal. São Máximo o Confessor diz que: “a fraqueza da carne no sofrer é fundamento para o magnífico poder do Espírito Santo.

Conclusão, podemos sempre pedir ao Espírito Santo que nos cure. Mas, se Ele não o faz, não somos obrigados a concluir que não temos fé, que Deus não nos ama, que nos castiga, mas só que nos quer dar um dom mais precioso, embora mais difícil de aceitar.

A saúde recuperada, um dia, se perderá de novo, mas o mérito de ter suportado com paciência perdura eternamente.

A coisa mais importante, no Espírito do Evangelho, não é pensar nas próprias enfermidades, mas na do próximo. Os santos aceitavam passar mal, mas não queriam que ninguém sofresse perto deles. Relutavam em pedir a própria cura, mas eram arrojadíssimos em pedir a cura dos outros.

O Evangelho conta como “quatro homens” subiram um dia ao telhado da casa onde Jesus estava, fizeram uma abertura e desceram a maca onde estava o paralítico; em suma, não descansaram enquanto não puseram o amigo doente diante de Jesus e não ouviram esta palavra: “Levanta-te, pega a tua maca, e vai para casa!” (Mc 2,1-14).

Devemos imitar o zelo daqueles quatro homens.

Ser paráclitos

No Evangelho Jesus fala aos discípulos sobre o Espírito usando o termo "Paráclito", que significa consolador, ou defensor, ou as duas coisas. No Antigo Testamento, Deus é o grande consolador de seu povo. Este "Deus da consolação" (Rm 15, 4) se "encarnou" em Jesus Cristo , que se define de fato como o primeiro consolador ou Paráclito (Jo 14, 15). O Espírito Santo, sendo aquele que continua a obra de Cristo e que leva a cumprimento as obras comuns da Trindade, não podia deixar de definir-se, também Ele, Consolador, "o Consolador que estará convosco para sempre", como Jesus o define. A Igreja inteira, depois da Páscoa, teve uma experiência viva e forte do Espírito como consolador, defensor, aliado, nas dificuldades externas e internas, nas perseguições, na vida de cada dia. Nos Atos dos Apóstolos lemos: "A Igreja se edificava e progredia no temor do Senhor e estava cheia da consolação (paráclesis!) do Espírito Santo" (9, 31).

Devemos agora tirar disso uma conseqüência prática para a vida. Temos de nos converter em paráclitos! Ainda que é certo que o cristão deve ser "outro Cristo", é igualmente certo que deve ser "outro Paráclito". O Espírito Santo não só nos consola, mas nos faz capazes de consolar os demais. A consolação verdadeira vem de Deus, que é o "Pai de toda consolação". Vem sobre quem está na aflição; mas não se detém aí; seu objetivo último se alcança quando quem experimentou a consolação se serve dela para consolar por sua vez o próximo, com a mesma consolação com a qual ele foi consolado por Deus. Não se conforma em repetir estéreis palavras de circunstância que deixam as coisas iguais ("Ânimo, não te desalentes; verás que tudo sai bem!"), mas transmite o autêntico "consolo que dão as Escrituras", capaz de "manter viva nossa esperança" (Rm 15, 4). Assim se explicam os milagres que uma simples palavra ou um gesto, em clima de oração, são capazes de fazer à cabeceira de um enfermo. É Deus quem está consolando essa pessoa através de você!

Em certo sentido, o Espírito Santo precisa de nós para ser Paráclito. Ele quer consolar, defender, exortar; mas não tem boca, mãos, olhos para "dar corpo" a seu consolo. Ou melhor, tem nossas mãos, nossos olhos, nossa boca. A frase do Apóstolo aos cristãos de Tessalônica: "Confortai-vos mutuamente" (1Ts 5, 11), literalmente se deveria traduzir: "sede paráclitos uns dos outros". Se a consolação que recebemos do Espírito não passa de nós aos demais, se queremos retê-la de forma egoísta para nós, logo se corrompe. Daí o porquê de uma bela oração atribuída a São Francisco de Assis, que diz: "Que não busque tanto ser consolado como consolar, ser compreendido como compreender, ser amado como amar...".


À luz do que disse, não é difícil descobrir que existem hoje, ao nosso redor, paráclitos. São aqueles que se inclinam sobre os enfermos terminais, sobre os enfermos de aids, quem se preocupa em aliviar a solidão dos anciãos, os voluntários que dedicam seu tempo às visitas nos hospitais. Os que se dedicam às crianças vítimas de abuso de todo tipo, dentro e fora de casa. Terminamos esta reflexão como os primeiros versos da Seqüência de Pentecostes, na qual o Espírito Santo é invocado como o "consolador supremo":"Vinde, ó Pai dos pobres, vinde, autor de todos os dons, vinde, Luz dos corações. Consolador supremo, doce hóspede da alma, suave refrigério. Repouso no trabalho, brandura no ardor, consolo no pranto".


Deus abençoe a todos


Celio

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